segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Esquerda, Volver: 10) Por que eu sou Haddad

Aos 44 do segundo tempo, vim aqui deixar meu depoimento. Vale mais que retarde do que tarde demais. Eu, cearense filho de retirantes, que sempre fora reticente antes, que me sentia um invasor, um perneta penetra, enfiado na cidade-desamor pela uretra (abaixo), e eis-me aqui dando a letra, pensando "agora me encaixo!", metendo a caneta, sentindo-me cidadão, quase orgulhoso de ser paulistano por adoção, junto com meus manos de coração e de luta, todos filhos da labuta, crescidos na família perifa, onde o pau come e a PM grifa, e tome cacetada, cacetete, pro pivete e pra rapaziada. Americanópolis City, vizinha da Vila Clara, onde o diabo teve conjuntivite, o horror deu as caras, Deus perdeu o apetite, o menoscabo da burguesia ganhou CEP e geografia... e cada lobo que se estrepe.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Crônicas Desclassificadas: 179) O homem e seu toque – um Midas ao contrário

Devia haver uma lei que proibisse o homem de se utilizar das coisas. Estas, em geral, são belas, até que vem unzinho qualquer, põe suas mãos sobre elas e... violà! Adeus, beleza! O homem nasceu pra estropiar tudo. É por isso que o mundo anda como anda hoje. A parte mais importante do homem são os olhos, que podem ver e ver e ver à vontade e nem por isso têm o poder de gastar as coisas. As coisas deveriam ficar intactas. Vejamos, por exemplo, o caso da lua. Que linda! Quantas canções de amor já inspirou, e continua lá, bela, impávida, intocável, majestosa. E por quê? Porque o homem não teve a capacidade ainda de pôr suas mãos sobre ela. Quer dizer, fora um astronautazinho mequetrefe que foi lá, fincou uma bandeira e foi embora. E o homem é tão pequeno perto da lua que nem a bandeira dá pra ver daqui.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Crônicas Desclassificadas: 178) Os compradores de canções

Venho por esta publicamente afirmar que EU TAMBÉM compro canções! Sempre comprei desde meus primórdios de pastinha verde com letras batidas a máquina. A verdade é que eu tinha vergonha de dizer, pois tenho muitos fãs, mas meu ídolo maior, Chico Buarque, me deu coragem de dar esse grande passo. Adeus, insônia! Adeus, complexo de culpa! Adeus, análise! Adeus, confessionário! Agora, eu sou um homem livre! Eu compro canções! Aliás, falando nisso, agora que eu admiti fica muito mais fácil de conseguir vendedor; o que eu antes fazia na surdina, no câmbio negro, na calada da noite, agora posso fazer à luz do dia, sem o menor medo de ser flagrado. Posso encontrar um vendedor numa esquina e na caruda efetuar a transação sem medo de olhares de censura e reprovação. Obrigado, Chico!