segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

De Sampa a Tóquio: 10) Noel no Aparecida, Kana no Cooljojo etc.

Segunda-feira, 11/12, completaram-se 107 anos do nascimento de Noel Rosa, pra mim não o melhor, mas o mais importante compositor popular brasileiro, aquele que revolucionou e transcendeu (não só) o samba e cuja obra ainda hoje é atual. E o que mais assombra em Noel é que, tendo morrido com 26 anos, deixou uma obra de mais de 300 canções, a maioria obras-primas. Em certa ocasião, participei de uma palestra sobre Noel Rosa, e o palestrante, cujo nome me escapou, disse em determinado momento que não sabia se era Noel que era moderno ou se o Brasil que permanecia arcaico, visto que canções que o compositor compôs entre as décadas de 1920 e 1930 continuam com um frescor absoluto, como se tivessem sido compostas ontem.

Foi por isso que nessa mesma segunda meti um Noel nas ideias, vesti uma camiseta estampada com seu autorretrato e cheguei mesmo a rezar-lhe uma oração laica — fosse ele uma espécie de santo dos compositores — antes de sair de casa pra meu primeiro trabalho em terras nipônicas. Explico: o amigo Willie, de quem tanto tenho falado neste diário, ofereceu-me seu estabelecimento (o anteriormente citado Barzinho Aparecida) pra que eu todas as segundas-feiras ministre aulas de português pra alunos japoneses afins. E foi assim que saí, com essa energia noelesca, tendo Kana a tiracolo  — a bem da verdade, foi justamente o contrário, já que ainda não dominei o intrincado que é a rede ferroviária de Tóquio —, pra minha primeira experiência profissional por estas plagas.

Naturalmente, eu estava pra lá de ansioso. Apesar de ter preparado o material com calma e antecedência, decorado umas falas em japonês etc., primeiro dia é primeiro dia; e atire a primeira pedra quem nunca se sentiu assim em semelhante situação. No entanto, nem bem lá cheguei e a ansiedade logo se dissipou. E o responsável por esse milagre foi o ambiente da casa. Sempre brinquei que só me tornaria professor se me permitissem dar minhas aulas em botecos. E não é que meu desejo foi realizado? Estava eu justo num bar, com iluminação discreta e alunos atenciosos — e que, no mais, pra minha surpresa, dominavam razoavelmente bem — em sua maioria — o português. Um deles, inclusive, descobri que era poliglota — falava sete idiomas!

No final das contas, pra resumir, as cerca de duas horas (com um intervalo no meio) passaram voando, e nem cheguei a usar todo o material que havia preparado. Claro, falei demais, algo sobre o que vou me policiar no futuro, mas quando terminei me senti contente e realizado. E acredito que os alunos também devam ter saído satisfeitos. Senti-me quase um Leandro Karnal, ou ainda mais, um Clóvis de Barros Filho. E paguei a prece feita a Noel falando bastante dele, contando vários "causos" que lera sobre o poeta da Vila e levando pra esses interessados alunos um pouco da história da música brasileira pra além da — tão conhecida deles e por eles amada — bossa nova. Mas sei que lá em cima, tomando uma com Noel, Tom Jobim há de me perdoar e entender.


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Semana de correria, levando aos poucos bagagens rumo ao novo apartamento, estudando, indo pra lá e pra cá etc. Nada que valha a pena contar, por ora ao menos. Assim, pulo pro sábado, 16 de dezembro, quando fizemos uma pequena viagem rumo a Kamakura — que eu já conhecia; visitei-a em viagem anterior. Lá, há uma estátua enorme de Buda; mas não fomos lá pra vê-la dessa vez. Fomos visitar a senhora Ueda, uma ex-aluna de Kana, que abriu um wine bar, o Chicchirichi, que na ocasião estava sendo inaugurado. Como a maioria das casas por aqui, era pequena, mas bem aconchegante. Depois, os convidados fomos comemorar em outra casa, o também minúsculo La Passion, cujo dono e chef era um japonês que andou pela França aprendendo sobre culinária e vinhos franceses, voltou e abriu essa casa. Bebemos até o limite e por pouco perdíamos o último trem. E a conta? Ficou a cargo da anfitriã(!). Sucesso, Ueda san!

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Domingo, 17/12, foi dia de festa. Pegamos o trem, fizemos trocentas baldeações e finalmente chegamos à vizinha Chiba, mais especificamente ao estiloso Cooljojo, uma casa de música ao vivo onde ia rolar um show pro qual Kana fora convidada a participar. O show seria do Hiroki Band, banda de seu guru Koichi Hiroki, guitarrista e compositor — também parceiro meu. Foi bonito ver a recepção calorosa dos músicos amigos (e aproveito que estamos só nós aqui pra fazer uma inconfidência: bem mais calorosa que a dos familiares de Kana, diga-se. Por essas e outras, considero os laços de amizade da maior importância. O saudoso Zé Rodrix bem que costumava dizer que os amigos são a família que escolhemos). 

O show foi ótimo. A banda estava afiadíssima e ficou melhor ainda com a entrada de Nobuko Ariake, que toca um instrumento pouco comum: o vibrafone. Aliás, tratemos da escalação inteira: Koichi Hiroki na guitarra; Habu Kazuko na bateria; Masaharu Iida no baixo acústico e Nobumasa Tanaka no piano. E então entrou Kana pra cantar quatro músicas e incendiar o espetáculo com sua euforia brasuca. E, aos amigos brasileiros, conto que ela faz graça em japonês também. Percebi isso (minto, já sabia) vendo a plateia dar boas gargalhadas mais de uma vez. Ela cantou duas parcerias minhas com Hiroki, uma nossa e, de bis, a gonzagueana Qui nem Jiló. No entanto, pra mim a cereja do bolo foi uma música que Hiroki apresentou pela primeira vez, extraída da trilha sonora de um filme filipino (dirigido por um japonês!) chamado Blanka. Mocionei. Procure saber!

O show começou às 15h, teve um intervalo, recomeçou e terminou por volta das 17h30. Depois, obviamente, fomos todos bebemorar, que a vida é curta e a sede longa.


またね!

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Mais um PS em cliques:






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