sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

De Sampa a Tóquio: 6) Aparecendo no Aparecida — de Gonzaga a Braz

Sabe aquelas noites em que você sai de casa sem esperar grande coisa e de repente a mágica se faz? Hoje foi assim (começo este relato exatamente às 23h59 — horário de Tóquio — de 30/11). Kana tinha combinado comigo de irmos visitar o Barzinho Aparecida (curta a página no facebook aqui), bar brasuca do amigo japonês Willie Whopper (tô pensando em entrevistá-lo pro blogue futuramente, e uma das perguntas vai ser o motivo da escolha de seu "nome artístico"), onde farei dentro de uns dias um "piloto" de aula de português pra uma turma seletiva de japoneses. Antes, claro, fizemos uma siesta de cerca de duas horas, visto que o (con)fuso ainda não nos abandonou; acordamos por volta das 18h, arrumamo-nos e saímos pra enfrentar o friozinho crescente.

o clique não é meu,
mas ilustra bem
Horário de pico, enfrentamos trens lotados nas três linhas que pegamos. E preciso reconhecer que aqui eles sabem lotar um trem! É uma coisa de louco! De fazer inveja a trens suburbanos paulistanos. A diferença está na educação. Primeiro, quem tá dentro sai; depois, quem tá fora entra. Na escada rolante, os sem-pressa ficam à esquerda (já que aqui a esquerda é a direita e vice-versa) e deixam o lado direito livre pros apressadinhos. E nada de dona Maria plantada no centro da escada com uma sacola em cada mão. Necas! O respeito ao outro por estas bandas é praticamente uma extensão do respeito a si mesmo. Meio como aquela velha frase que diz que "meu direito termina onde começa o do outro". Básico.

foto "roubada" da página do face
Descemos na estação Nishi-Ogikubo, caminhamos poucos metros e não fosse termos visto uma bandeira do Brasil ao longe e teríamos passado direto (é retórica; não foi nossa primeira visita ao local). Porque a entrada do bar é superdiscreta: uma portinha aberta, uma escadinha, e voilà! Entramos numa little Brazil no coração de Tóquio. E quando digo little é porque o bar é pequeno mesmo. Praticamente uma sala de estar decorada com mil e um objetos que remetem às coisas do Brasil, desde fitinhas de pulso a uma pequena réplica de avião da Varig. Ah, e outra da Viação 1001. Além de capas de discos brasileiros, fotos de Elis, Tom & cia., rótulos de cervejas brasucas penduradas, bandeirinhas de festa junina, livros raros, uma infinidade de CDs e, claro, à venda muita coisa made in Brazil, como cervejas e cachaças. Vi até uma feijoada ser servida...

... A um estudante cearense (!) que batia uma xepa no local com sua grávida esposa japa issei (eu não digo que cearense pode ser encontrado em todo canto do globo?). O rapaz faz doutorado aqui. E a esposa, que morou três anos em Fortaleza, fala português com um charmoso sotaque cearense. Quando chegamos, no telão rolava um documentário brasileiro que tratava do Nordeste. Contudo, abri mão da Skol e da Brahma e parti logo pra Asahy Super Dry, que eu não sou besta nem nada. Explico: a cerveja japonesa tem sabor de cerveja! Claro, pros japoneses que frequentam o bar sonhando com nosso clima tropical uma cerveja brasuca vai bem, mas não era meu caso.

Por falar nisso, travou conversa comigo um jovem japonês que estuda português e cujo sonho é conhecer o Brasil, passar um tempo por ali desfrutando da brasilidade e aperfeiçoando o idioma, que fala razoavelmente bem, mas com um forte sotaque carioca. Entretanto, fiquei espantado ao saber que seu professor é paranaense, visto que quando o rapaz se apresentou me disse "Eu extudo portuguêsh". Porém, depois de uns segundos de perplexidade entendi que a culpa é da bossa nova, que é idolatrada pelos nipônicos, muitos dos quais estudam português pra melhor cantar as garotas de Ipanema, os barquinhos, os sambas de verão & cia.

Preciso falar um pouco de Willie. Esse sujeito com uma baita cara de gente-boa (e não só a cara) é um desses tipos que transformaram seu amor em fonte de renda. Se você visitar o Aparecida vai entender o que estou querendo dizer. O amor está em cada detalhe, a cada centímetro se pode perceber que nada que está ali é por acaso. Imagino o trabalho que ele teve não só pra idealizar o bar, mas sobretudo pra trazer tudo isso pra cá nas tantas viagens que fez/faz ao Brasil. Sim, porque ele vai com frequência, muitas vezes levando consigo marinheiros de primeira viagem e lhes servindo de guia. Inclusive, se não me engano escreveu mais de um livro tratando das coisas nossas — é importante frisar que o auxilia a prestativa esposa Kumi Fujimoto, que, pelo que notei, pilota também a cozinha do Aparecida, além de se enveredar pelos sons percussivos.

Daí, chegou meu mais novo amigo de facebook, o sr. Teruhiko Toda, que é luthier de pandeiro(!), instrumento que, diga-se, toca com destreza — além disso, é um belo fotógrafo; mostrou-nos vários álbuns de fotos que tirou no Brasil. E não parava de chegar gente, e tanta que nem sei como cabia naquele pequeno espaço. Minto, sei sim. Todo ambiente que se destina à cultura brasileira é meio coração de mãe, nele sempre cabe mais um. E eis que de repente, não mais que de repente, começo a escutar um som de sanfona, o que me assustou, pois o único brasileiro no recinto — além de mim, claro — era meu conterrâneo, que, notei, não tinha nenhum instrumento em mãos. Reparei melhor, e não é que era uma banda de japoneses? Aliás, japonesas, pois todas, com exceção do violonista, eram mulheres.

Fiquei sabendo que se tratava de um ensaio pra show posterior, e fiquei feliz de estar ali assistindo a tão rara cena. E o repertório era bem bom, bastante variado. Outro detalhe interessante: cada cliente que entrava era recebido por Willie com um "otsukaresama", que é um cumprimento que se dá a alguém que terminou a jornada de trabalho, algo como um "bom descanso". E nada melhor que um bar brasileiro pr'um sujeito relaxar depois de um cansativo dia. A porta se abriu, Willie repetiu seu cumprimento e quem entra é ninguém menos que Renato Braz, que está em turnê pelo Japão. Willie nos apresentou, e ele se lembrou de Kana de quando ela o ia ver cantar — lá se vão uns 20 anos —num bar paulistano chamado Café Paris. Que memória!

Renato do Pandeiro
Palhinha de Kana
Pra ele se juntar à banda, foi num piscar de olhos. Chegou a pedir pros músicos repetirem uma canção pra ele filmar. Willie chamou Kana pra se juntar à trupe, e o arrasta-pé estava armado. Só faltou mesmo foi gente pra arrastar os pés. Ninguém dançou, mas nem por isso as sanfoneiras (duas) cochilaram. Kana mandou bem num medley forrozístico que traz na manga pra situações similares, após o que Renato interpretou lindamente uns baiões que eu nem sabia que faziam parte de seu repertório, culminando com uma interpretação de arrepiar da gonzagueana Asa Branca. Momento ímpar da noite!


Estamos no Japão, mas saímos à francesa, acompanhados por uma das sanfoneiras. Já perto de casa, passamos numa loja de conveniências e compramos uns comezinhos pra terminar a noite beliscando algo, com Braz & Gonzaga ainda ecoando em nossos ouvidos.

Tá bom pra vocês?

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PS: Outros cliques do neofotógrafo:






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