domingo, 13 de maio de 2018

Esquerda, Volver: 19) Por mais humor (e amor) na esquerda

Há pouco tempo, meu querido amigo Julinho Camargo, figuraça, grande músico e intérprete da cena paulistana e dono do Garagem Vinil — importante QG da música independente de brasuca e que abriga, entre outras coisas, as noites autorais do Clube Caiubi de Compositores —, fez no Facebook mais uma de suas tantas brincadeiras. Sujeito bem-humorado e com boa quilometragem, soltou ele: "Cheguei à conclusão de que mulher bonita tem que pagar mais caro. Elas dão muito trabalho." Teria sido apenas mais uma inofensiva piadinha, talvez com certo quê machista, admito, mas todos que o conhecem sabem que não houve maldade ou desrespeito no comentário. Eu mesmo, quando li, praticamente o imaginei ao vivo comentando e dando em seguida uma boa gargalhada (vejam como foi aqui).

Mas os olhos esbugalhados da patrulha ideológica estavam lá, atentos, e caíram de pau em cima do coitado. Foi uma verdadeira caça às bruxas — ou melhor, ao bruxo — em seu mural. Como a maioria eram pessoas amigas, passei por lá pra defendê-lo, numas de "deixa disso", mas sobrou bordoada pra mim também. Fiquei espantado em ver como gastam tanta energia por tão pouco. Tanto a fazer, tanta gente merecendo recriminação, o Brasil passando por momentos difíceis, e os amigos, em vez de se unirem, ficam policiando uns aos outros, azedando amizades, exigindo perfeição e exercendo o direito universal de serem... chatos pra caramba! Desculpem se pego pesado, mas, como diz a canção de Marisa & cia., "O Brasil não é só verde, anil e amarelo; o Brasil também é cor de rosa e carvão".

Sempre tive dificuldade, pudor ou sei lá o quê em levantar o dedo e sair apontando "defeitos" nas atitudes dos outros chegados, visto que já gasto muito tempo tentando diminuir os meus próprios — que não são poucos —; daí que fico embasbacado ao ver a facilidade que terceiros têm de se fazerem juízes das mazelas alheias, verdadeiras vestais (não confundir com bestas) do politicamente correto. O que me faz lembrar de outra canção, esta dos gênios Vicente Barreto e Celso Viáfora, que diz que "a gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho/ ninguém precisa consertar/ se não der certo a gente se virar sozinho/ decerto então nunca vai dar". É meio isso. Brasileiro é meio Macunaíma, Jeca Tatu, Nelson Rodrigues... incluídos aí os vários tipos criados pelo saudoso Chico Anysio.

Exigir que tenhamos um comportamento, como direi?, europeu acho que é pedir demais. Sonho com um Brasil melhor e acredito mesmo que estamos avançando nesse quesito; os jovens de hoje em dia estão mais ligados, mais informados, mais engajados e menos preconceituosos, só precisam ficar atentos pra não caírem na armadilha de se acharem melhores que os demais, pois aí podem perder o senso crítico e com ele o senso do ridículo. Sou completamente favorável aos direitos das minorias, situo-me ao lado das mulheres, dos negros, dos nordestinos, da comunidade cuja bandeira é a pluralidade sexual etc., mas sou também defensor da gentileza, do bom humor, de um coração com menos raiva e mais tolerância.

Até porque a lei do "olho por olho, dente por dente" não deu muito certo. E não custa lembrar que, vindo do Velho Testamento, caducou e foi trocada pela que diz que devemos dar a outra face. Tá, fiquei no meio termo entre ambas porque não sou tão evoluído assim, mas acredito, sim, na força do amor, por mais piegas que possa parecer. Obviamente, devemos saber a hora em que precisamos agir com firmeza, o que é bem distinto de ser exageradamente duro indiscriminadamente com tudo e com todos. Essa metralhadora giratória sempre acaba ferindo alguns inocentes em sua trajetória. Penso que é tempo de união; todos aqueles que sonham com um país mais justo — e lutam por ele — precisam ser pessoas melhores, e isso começa por cada um de nós.

Lembrei-me de outro exemplo interessante: assisti há alguns dias à entrevista que Guilherme Boulos concedeu ao programa Roda Viva e escrevi, também no Facebook, o seguinte: "Que bom ver o tradicional Roda Viva escapar das mãos do Maugusto Nunes! Acabo de ver o show de bola que Guilherme Boulos deu por lá sob a batuta de um apresentador pelo menos educado. A saber: Ricardo Lessa. Sei não, mas ao que tudo indica pintou um possível candidato a ganhar meu voto no próximo pleito: Guilherme Boulos. Elegância e paudurecência (né, Lobão?) num só pacote não é pra qualquer um. E viva a esquerda brasileira! Ainda volto ao assunto; seu correspondente cearense in Tokyo City." (Originalmente publicado aqui.)

A publicação gerou muitos comentários, a maioria favoráveis, houve debate, um reaça ranzinza solitário ladrando sozinho e um puxão de orelha de uma amiga artista que me recriminou por ter usado o famigerado "paudurecência". Reparem: quem cunhou o termo foi ninguém menos que o roqueiro Lobão, em cuja cabeça já houve vida inteligente nos primórdios. Continuem reparando: escrevi deliberadamente usando o humor que me é peculiar. Achei uma bela sacada me apropriar de sua invenção pra elogiar um cara que tem despontado no campo ideológico oposto ao do Big Wolf. Mas a amiga não entendeu o humor e preferiu me posicionar ao lado do titular do paudurecente neologismo. Claro, com a educação peculiar aos nossos, mas nem o fato de eu ter incensado Boulos mereceu uma curtida dela. O uso da palavra "proibida" falou mais alto. Cheguei à conclusão de que continuamos "sin perder la ternura", mas já não dá mais pra "endurecerse".

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Presentinho 1:


Presentinho 2: 


Presentinho 3:


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2 comentários:

  1. Leozim, acho que esquecemos que somos um povo cuja característica maior era o bom humor. Tornamo-nos rudes com as palavras, assumimos (talvez sem saber) a máxima do grande Foucault, com seu "vigiar e punir" - que é um instrumento próprio da construção de repressão ao indivíduo.
    Esquecemos que somos um povo completamente oprimido e, vez em quando, podemos rir de uma piada infeliz ou sacana. Estamos desconhecendo o outro, nos enrijecendo de polícia ideológica, o que, ao contrário do pensamento europeu que você cita, está mais para o americano repleto de puritanismos e hipocrisia que vive apontando o defeito dos outros, e esquece tanto da afetividade.
    Temos esta meta maior que é nos tornarmos um país de melhor qualidade de vida, em todos os pontos de vista, tendo esta liderança sóbria que é Boulos a nos dar lições de percepção de vida e ato, nos tornando o ato medíocre que os direitistas tanto exercem. Isto tudo sem esquecer o nosso querido Lula, que é puro amor pelo nosso país. Temos lições maiores com ele também. Não nos falta sentido de amor!
    Estou completamente contigo no quesito: precisamos ter mais amor pela vida que vivemos para podermos construir o país que queremos, entender nossas raízes culturais sem tanta predisposição à susceptibilidade emergencial de responder grosseiramente àquele que conhecemos e que daria a risada da própria piada besta, metida a inocente, e o encarceramos num massacre psicológico, que é o que mais tem adoecido as pessoas de nosso país.
    É necessário afetividade, ternura, cuidado e respeito, sem que um post infeliz no facebook nos transforme em violentos patrulheiros.
    Lá pelos 2010, eu pensava que o facebook seria um grande instrumento de construção de sujeitos com assertividade, cuidado consigo e com o outro. Isto se deu em várias pessoas que conheço, os seus caminhos se tornaram dignos da observação, seja pela jornada em direção à arte e cultura, ou por sua própria construção pessoal. Mas em geral, deixamo-nos endurecer, a tal "paudurecência". Lembro-me de ter dito repetidamente que até nosso riso deveria ser mais sério, o que não indicava patrulha, mas assertividade.
    É isto, somos um país completamente plural, que é a única forma de atender a uma busca de um significado para um povo de enorme complexidade cultural, dentro da dimensão continental. Queremos padronizar os comportamentos? Queremos nos tornar europeus ou americanos? Queremos fugir pra Portugal?
    Cadê os brasileiros que estão dentro de nós? Somos afetivos por natureza, só que a energia afetiva está mal direcionada, e será fácil trazermos de volta para onde merecemos, todos!
    E queremos nosso Brasil bem maior e com a autoestima resolvida!
    Abração fortão

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    1. Erico, sábias palavras. Mas, pra falar a verdade, não sei ao certo se o brasileiro está mudando ou se as redes sociais apenas potencializaram algo que já ia nos corações. Tenho esperança de ver ainda um país melhor, mas pra isso precisamos de comportamentos melhores.

      Sobre a citação aos europeus à qual me referi, falei no sentido da correção, não da patrulha.

      Abraços,
      Léo.

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